Crise do Rio de Janeiro conjuga ‘gestão política temerária’ e falta de planejamento

Fonte: Rede Brasil Atual

A crise do Rio de Janeiro, cujo governador em exercício, Francisco Dornelles (PP), decretou estado de calamidade pública na sexta-feira (17), não é econômico-financeira ou política, mas a conjugação de ambas. A grande dependência do estado em relação do setor de petróleo e gás é determinante para o estado ver sua política fiscal se esvair nos últimos anos. “A crise nessa área, internacional, junto com a operação Lava Jato, afetaram diretamente a economia do estado, muito dependente dos royalties em quase todo o seu orçamento”, diz o cientista político Paulo Baía, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Para ele, o problema foi agravado pelo fato de o estado não ter se preparado para buscar outras alternativas. Junto à questão econômica e de planejamento, existe a crise política e de gestão. “A partir de 1999, tivemos uma gestão política temerária do ponto de vista da responsabilidade fiscal, desde os governos Anthony Garotinho, Rosinha Garotinho e os dois governos Sérgio Cabral, que estouraram no final do governo Cabral e início de (Luiz Fernando) Pezão”, diz Baía. Rosinha (a partir de 2004), Cabral e Pezão foram governadores pelo PMDB.

Na opinião do professor da UFRJ, a decretação do estado de calamidade no estado foi uma estratégia equivocada. “Ao fazer isso, tendo a Olimpíada como foco, ele tomou uma atitude política casuística para conseguir 3 bilhões de reais junto ao governo federal. Mas as pessoas levam muito a sério a significado da palavra ‘calamidade’, sobretudo nos EUA e na Europa. Isso traz mais prejuízo do que benefício para o estado.” Em sua opinião, uma alternativa seria o próprio governo federal “assumir a Olimpíada como uma atividade de cunho nacional.”

Hoje, o governo interino de Michel Temer publicou uma medida provisória, em edição extra do Diário Oficial da União, determinando “apoio financeiro” ao Rio de Janeiro no valor de R$ 2,9 bilhões. Ontem, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, havia se comprometido a trabalhar pelo Rio, ” em virtude da existência da Olimpíada”.

A arrecadação do ICMS no estado caiu de aproximadamente R$ 37 bilhões, em 2014, para cerca de R$ 34 bilhões em 2015. Para o deputado federal Chico Alencar (Psol-RJ), “o governo (do Rio) não previu que os recursos de royalties (referentes a petróleo) e participações especiais, que eram de R$ 8,7 bilhões de arrecadação em 2014, em 2015 caíssem para R$ 5,7 bilhões, com a queda do preço do petróleo”. O barril do petróleo, que chegou a custar U$ 110 o barril, hoje não chega a U$ 40.

Segundo Baía, há “certamente um erro de avaliação” em relação à política do estado do Rio, ao assumir compromissos com a Copa do Mundo e ao mesmo tempo a política das Olimpíadas. Esses compromissos, lembra, foram assumidos há anos, o que reforça a ideia de que faltou planejamento. “E quando foram assumidos já se tinha uma perspectiva da crise do petróleo e do gás. Não era algo fora do cenário. Mostrava-se que a realização de grandes eventos trariam mais prejuízos do que benefícios, do ponto de vista econômico e financeiro, e evidentemente com prejuízos sociais grandes.”

Esse estado de coisas e o legado, em relação à Copa do Mundo, pode ser comprovado pelas obras inacabadas, despejos e remoções que aconteceram e políticas de intervenção nas cidades. “No Rio de Janeiro, isso aconteceu com muita intensidade, em função das Olimpíadas também. O legado é difuso, não há clareza sobre essa questão. O legado da Copa você vê agora, com os estádios vazios (no país), elefantes brancos, obras de infraestrutura que não foram feitas ou estão pela metade ou paradas”, diz o cientista político da UFRJ.

Os índios da Aldeia Maracanã, expulsos da sede do antigo Museu do Índio, em 2013, na época dos preparativos para a Copa do Mundo, simbolizam o chamado legado da Copa. O prédio foi desocupado violentamente e está parado até hoje, sem destinação definida. “Os índios não estão mais lá. Tem uma ocupação policial permanente que não deixa ninguém ocupar o prédio”, diz Baía.

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