Desmonte da EBC é ‘iminente’, diz ex-presidenta Tereza Cruvinel

Fonte: Rede Brasil Atual

À frente da Empresa Brasil de Comunicação de 2007 a 2011, a jornalista Tereza Cruvinel vê como “iminente” o processo de desmonte da EBC, inclusive com a possível constituição de outra empresa, “um arremedo da Radiobrás, piorada”, para resolver juridicamente o impasse atual, com o presidente Ricardo Melo mantido no cargo por força de liminar. “Eles estão esperando consolidar o golpe em agosto”, afirmou Tereza, durante debate realizado ontem (11) à noite, na sede do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, na região central de São Paulo.

Ao lado do ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência Franklin Martins e do professor Laurindo Lalo Leal Filho, primeiro ouvidor da EBC, Tereza identifica no ataque à EBC uma das faces do mandatário interino. “Todo governo autoritário começa por calar as divergências”, disse a jornalista, lembrando ainda da suspensão de contratos com blogs e sites alternativos. Segundo ela, é um governo “que veio para desmontar, destruir, retroceder ‘civilizatoriamente'”.

Logo depois de assumir interinamente a Presidência da República, com o afastamento de Dilma Rousseff, em maio, Michel Temer exonerou Ricardo Melo da direção da EBC, dez dias depois de sua nomeação. No início de junho, ele voltou ao cargo por decisão liminar do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF). E continua lá até o julgamento do mérito da ação.

No episódio, Tereza Cruvinel escreveu carta aberta a Temer, citando a Lei 11.652, de 2008, criando a EBC, que fixa em quatro anos o mandato do diretor-presidente. “Esta flagrante violação legal não atenta contra a pessoa do diretor. Atenta contra a independência que a lei buscou garantir ao sistema brasileiro de comunicação pública, protegendo seu principal gestor de pressões políticas que desvirtuariam sua finalidade”, afirmou a jornalista, a respeito da exoneração de Melo “ao arrepio da lei que ajudou a aprovar”, referindo-se a Temer. Essa mesma lei criou um Conselho Curador e uma Ouvidoria.

Censura

No debate, Tereza comentou que é melhor não se iludir em relação à liminar que mantém Melo na direção da EBC. Mesmo hoje, o atual presidente não teria “poderes efetivos na empresa”, devido à composição do Conselho de Administração. “Em algum momento, o Supremo vai julgar o mérito da ação. Mas se o golpe for consumado, não vai adiantar nada. E eles (interinos) já avisaram que vão mexer na lei. É um governo de desmonte.”

Segundo ela, a primeira determinação do ministro da Casa Civil do governo interino, Eliseu Padilha foi tirar os comentaristas, como Luis Nassif, Paulo Moreira Leite, Sidney Rezende e ela própria, entre outros.  “Foi uma censura”. Tereza afirmou que, em seus 15 dias à frente da EBC, no lugar de Melo, o também jornalista Laerte Rimoli “fez coisas do arco da velha”, com demissão de dezenas de gestores.

Coordenador-geral do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal, Jonas Valente acredita que o governo está para editar uma medida provisória relativa à EBC. “Ainda não está claro se vão esperar o STF julgar. O Laerte Rimoli já falou claramente que não vê problema em juntar a TV Brasil (pública) com a NBR (estatal). Embora o Edinho Silva (ex-ministro) também tenha falado isso. Essa é uma tragédia iminente, é uma questão de semanas.”

Tereza afirma que o governo interino poderá criar uma empresa com outra natureza jurídica, outro CNPJ, e transferir os funcionários, resolvendo assim o impasse legal. É preciso, acrescenta, “se preparar para um confronto muito forte” no Congresso. “Acredito que o desmonte da EBC esteja marcado para setembro. Padilha e Geddel (Vieira Lima, ministro da Secretaria de Governo) têm fixação.” Para Nilton de Martins, da comissão nacional dos funcionários da EBC, o futuro da empresa “está determinado ao sucesso, ou não, da luta contra o golpe”.

Desafios

Na direção da EBC de 2007 a 2011 e ultimamente prestando serviços como entrevistadora do programaPalavras Cruzadas, ela lembrou que só foi possível criar uma empresa de comunicação pública porque houve pressão social. “Aprovamos uma lei que tem defeitos, mas com os pressupostos básicos. Foi preciso construir uma rede com parcerias, acordos regionais, foram investidos R$ 500 milhões em equipamentos. O governo Lula foi absolutamente correto do ponto de vista dos compromissos financeiros”, disse Tereza, acrescentando que também foram cometidos erros. “Por exemplo, a ausência de canais. Antes de ter a TV Brasil, deveríamos ter um canal em cada estado. Não poderíamos começar sem uma rede própria. E acho que educamos pouco para a comunicação pública.”

Outro desafio foi estabelecer fontes de financiamento. Na lei da criação da EBC, ficou determinado parte dos recursos do Fundo de Fiscalização de Telecomunicações (Fistel) seria destinada à empresa. Mas as operadoras questionaram esse recolhimento. “As teles judicializaram”, disse Tereza, informando que há mais de R$ 2 bilhões bloqueados.

Ouvidor da EBC durante dois anos, Lalo Leal afirma que não é possível falar em comunicação sem discutir o papel do Estado. “No Estado mínimo, não existe. A origem (da comunicação pública) está nesse Estado do bem-estar social. No Brasil, a história da comunicação pública é muito frágil ou praticamente inexistente.”

O professor citou a outorga da concessão, por Getúlio Vargas, do Canal 4 para a Rádio Nacional, para criar a TV Nacional do Brasil. “Nós íamos ter uma TV pública brasileira quase concomitantemente ao que estava acontecendo na Europa.” Vargas morreu, e Juscelino Kubitschek, pressionando por Assis Chateaubriand, recua.

“O grande marco legal é a Constituição de 1988, que estabelece essa complementaridade entre privado, público e estatal. “Complementaridade não é subalternidade”, observa Lalo. “Não é fácil fazer comunicação pública num país semi-escravocrata, de coronéis. A repulsa é muito grande a qualquer tipo de avanço social”, afirma.

Segundo ele, alguns dos requisitos básicos ainda não foram atendidos, como a universalidade geográfica, para que todos tenham acesso ao serviço público de comunicação. Lalo lembrou que, das oito emissoras de rádios da EBC, nenhuma era transmitida em São Paulo. “A única tentativa (parceria com a Rede Brasil Atual) foi abortada com essa intervenção.”

Para o professor, a EBC deveria ser o núcleo de uma “convergência midiática”, envolvendo internet, TV e rádio. “Não há como não ter o Estado como impulsionador do processo”, afirmou, acrescentando que a TV Brasil “no mínimo despertou na sociedade a ideia de que uma outra comunicação é possível”.

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