II Feira Mebengokré de Sementes Tradicionais reúne indígenas de mais de 30 aldeias

De 12 a 16 de setembro, a Associação Floresta Protegida realizou a II Feira Mebengokré de Sementes Tradicionais, na Aldeia Moikarakô, próxima ao município de São Félix do Xingu (PA). Participaram indígenas do povo Mebengokré (Kayapó) de 25 aldeias do Pará e do Mato Grosso, 48 Krahô vindos de sete aldeias do Tocantins e cerca de 50 não indígenas convidados. Mais de 50 variedades diferentes de sementes foram apresentadas. Uma ação fortalecida pelas mesas redondas realizadas com temas ligados à recuperação de sementes tradicionais e ao fortalecimento da autonomia indígena por meio da valorização dos sistemas produtivos tradicionais. Discussões sobre políticas públicas e programas de incentivo à produção agrícola e à gestão territorial e ambiental, além de outras pautas ligadas à causa indígena, geraram uma carta-aberta que nos próximos dias será direcionada ao Poder Executivo, o que também foi feito na primeira edição da Feira, em 2012.

Entre as pautas da carta, elaborada em conjunto por todas as lideranças indígenas presentes, estão a a PEC 215, o marco temporal, o Pronara (Programa Nacional para Redução do Uso de Agrotóxicos), a PL 13.123 e a luta do povo Guarani Kaiowá “e a de todos os demais parentes que sofrem de forma mais violenta com a opressão do grande poder econômico sobre suas Terras e recursos, com a participação, conivência ou omissão dos três poderes da República”.

O cacique Raoni, grande liderança indígena, agregou a todas as discussões palavras de encorajamento à luta e à preservação da cultura e das terras Kayapó. “Quando eu for, qual é o guerreiro que vai continuar no meu lugar?”, questionou na primeira noite. Em coro, os jovens que escutavam bradaram positivamente e levantaram as mãos em sinal de apoio. “Eu e Raoni nos encontramos e conversamos sobre a preservação dos territórios de todos os povos indígenas, pensando em nossos netos”, diz o cacique Getúlio Krahô. “Tudo o que vem do não-indígena está envenenado com agrotóxicos. O que vem da nossa roça é natural, faz bem para a saúde. Jovens têm que cuidar pra não perder”.

Estiveram presentes representantes de instituições como Embrapa, Imaflora, Funai, Sesai e ANA (Articulação Nacional de Agroecologia), que contribuíram com a troca de sementes, realizada na quarta-feira, 14 de setembro. “A troca é o coração da Feira. Um momento de extrema confraternização por meio da maior tecnologia indígena: a semente”, explica Terezinha Dias, pesquisadora da Embrapa. “A feira permite que os agricultores acessem sementes que vão reforçar seus sistemas, gerar experimentações e fortalecer o orgulho da herança tradicional”.

A Feira também representou o encontro entre os parentes em celebração e afirmação à cultura indígena, com apresentações diárias de danças e cantos tradicionais, nas quais o sentimento de uno prevalece. A profusão de cores e sons, as batidas ritmadas dos pés no chão de terra, as palmas, o coro dos cantos, os braços dados, as coreografias ancestrais, as pinturas corporais, o artesanato, a alegria e a força dos guerreiros e guerreiras marcaram os cinco dias de evento, assim como a receptividade calorosa dos anfitriões de Moikarakô.

Os parentes Krahô, precursores na realização das feiras de sementes e convidados especiais dos Mebengokré – que este ano optaram por fortalecer o movimento interno de conservação e produção sustentável entre as aldeias da T.I. Kayapó – apresentaram cantos durante os metoros (festas) e na madrugada e organizaram sua tradicional corrida de tora, que reuniu indígenas e não-indígenas na competição. Para registro de todos os momentos da Feira, uma equipe audiovisual foi montada com cineastas e fotógrafos indígenas dos povos Mebengokré, Krahô e Kisedje. Fotos e vídeos serão publicados nas próximas semanas nas redes sociais da Associação Floresta Protegida e no blog [email protected].

II Carta Aberta de Mojkarakô

Nós, 81 lideranças de 25 aldeias dos povos Mẽbêngôkre/Kayapó, Krahô e Kisedje, reunidos por ocasião da II Feira Mebengokré de Sementes Tradicionais, ocorrida na aldeia Mojkarakô, Terra Indígena Kayapó, entre os dias 12 a 16 de setembro de 2016, viemos manifestar o que se segue.

 Somos os primeiros donos desta terra que chamam Brasil e até hoje continuamos a preservar nossas matas, nossos rios, nossas sementes e nossa cultura;

 A Constituição de 1988 assegurou nossos direitos e não vamos aceitar que retirem nenhum deles;  Afirmamos mais uma vez que somos contra a PEC 215;

 Somos contra o PL 1610, que foi feito por um grande inimigo dos indígenas para autorizar mineração em nossos territórios;

 Somos contra o PL 13.123, que autoriza a biopirataria de nossos recursos naturais e conhecimentos;

 Não aceitamos o “marco temporal” como critério para a demarcação de Terras Indígenas;

 Nos solidarizamos à luta do Povo Guarani Kaiowá e a de todos os demais parentes que sofrem de forma mais violenta com a opressão do grande poder econômico sobre suas Terras e recursos, com a participação, conivência ou omissão dos três poderes da República;

 Exigimos a imediata instituição do Programa Nacional para a Redução do Uso de Agrotóxicos (PRONARA);

 Exigimos que sejam urgentemente implantadas faixas de proteção ambiental no entorno de Terras Indígenas, proibindo o uso de transgênicos e a pulverização de agrotóxicos;

 Solicitamos que o PLANAPO – Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica fortaleça o diálogo com os povos indígenas e incorpore mais ações para a promoção da soberania alimentar e nutricional, a conservação de sementes tradicionais e a geração de renda;

 Que seja garantido aos produtos da Sociobiodiversidade a isenção de impostos;

 Não aceitamos o projeto do MATOPIBA, que só favorece o grande produtor;

 Desde a chegada do branco, nossas terras nunca deixaram de ser invadidas. Mas nós não temos medo e não vamos parar de lutar;

 Exigimos uma cadeira para uma liderança Kayapó no Conselho Nacional de Política Indigenista – CNPI, responsável pela elaboração, acompanhamento e implementação de políticas públicas voltadas aos povos indígenas. E que este órgão colegiado não seja de caráter consultivo, mas sim deliberativo;

 Exigimos ser escutados em todos os projetos de lei que nos afetem e que nossas opiniões sejam respeitadas;

 Estamos atentos ao momento político conturbado pelo qual passa o Brasil, acompanhando de perto todos os atos deste novo governo que assumiu o país sem ter sido eleito pelo Povo. Exigimos desde já uma porta de diálogo aberta com os Povos Indígenas. Iremos à Brasília conversar com o novo Governo, e queremos ser recebidos, escutados e respeitados;

 Por fim, esperamos que a sociedade brasileira, inclusive aqueles que nos têm atacado reiteradamente, perceba a contribuição fundamental que os povos indígenas representam para as presentes e futuras gerações, para a qualidade do ar que respiramos e da água que bebemos, e que possamos conviver de forma pacífica e respeitosa, e trabalhar juntos por um Brasil e um mundo melhor.

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