Artistas se opõem a projeto que criminaliza a pichação sem propostas alternativas

Fonte: Rede Brasil Atual

Em audiência pública na manhã de hoje (14), sobre o Projeto de Lei 56, de 2005, que cria o sistema de denúncias Disque Pichação, grafiteiros da capital paulista marcaram posição contra a proposta, por entender que se trata apenas uma medida punitiva, sem diálogo com os artistas e sem alternativas para os jovens de periferia. “Esse projeto não valoriza o grafite. Quando pensa só na punição, no crime que estaria sendo cometido, não vai resolver problema nenhum. Precisa dialogar e entender porque os jovens se manifestam assim, levar possibilidades de desenvolver a arte”, afirmou o grafiteiro e pichador Pas Schaefer.

O projeto propõe apenas o serviço de denúncia, mas deve receber emendas antes da segunda votação em plenário, que deve ocorrer na tarde de hoje. Uma emenda proposta pelo vereador Quito Formiga (PSDB) pretende que a venda de tinta em spray só possa ser feita em estabelecimentos específicos. E determina que a venda só seja feita a maiores de idade, com realização de cadastro. A base do prefeito João Doria (PSDB) pretende apresentar um substitutivo, estabelecendo multa entre R$ 5 mil e R$ 50 mil, dependendo do local pichado.

Mas o vereador Adilson Amadeu (PTB) foi além e, apoiado por lideranças comunitárias da região central da cidade, defendeu a prisão para quem for pego pichando. Ele disse que os pichadores compõem gangues e compactuam com o crime organizado, além de se saber “de vários casos em que foram responsáveis pela morte de pais de família”. “Eles não tem compaixão nem dos colegas. Vira e mexe, eles estão escalando prédios, um cai e o outro foge, nem fica pra ajudar o parceiro”, afirmou.

O jornalista João Wainer, autor do documentário Pixo, disse aos vereadores que é uma irresponsabilidade querer prender os pichadores. “Falta entendimento do que move esses jovens. Eles estão escrevendo coisas nos muros, tentando ser vistos, tentando se expressar. Aquele jovem que tem uma escola ruim, um hospital ruim, não tem lazer, ele está dando uma resposta. Colocá-lo na cadeia só vai abrir as portas do crime pra ele.”

Interpretação

Na mesma linha, o grafiteiro e pichador Mauro Neri, integrante do Coletivo Imargem e autor da intervenção Veracidade, argumentou que esse discurso é um incitador da violência. “Quanto mais repressão, mais pichação. Esse discurso de que tem de prender, tem de agredir, incitado pela gestão e por parte da Câmara tem se replicado na sociedade. Já fui agredido pela polícia e por pessoas. Esse é um bom momento para debater. Mas é muito complicado separar grafite e pichação. O que eu faço pode ser interpretado de várias formas”, disse Neri.

O grafiteiro, que recentemente foi detido pela Polícia Militar e autuado por crime ambiental por lavar a tinta usada pela gestão Doria para apagar uma arte de autoria dele, ponderou que a proposta da gestão Doria de ter locais liberados pelo poder público para serem pintados é boa, mas não pode se resumir a isso. “É preciso considerar a liberdade própria do grafite. Precisa ouvir os artistas, sejam pichadores, grafiteiros ou muralistas.”

Uma das principais discussões se deu em torno dos critérios para que o artista seja denunciado. Como separar a pichação do grafite e como definir o que seria ou não legal, o que deixa margem para interpretações que preocupam os artistas. Para o vereador Formiga, “é óbvio quando é grafite ou pichação, é só olhar. Tudo que não transmite emoção artística pode ser considerado pichação”.

Para o grafiteiro Pas, é aceitável que o limite seja a autorização do proprietário, embora pondere que considera legítimo fazer arte em locais abandonados, independentemente de autorização. “O limite tem de ser o do respeito. Se pichou ou grafitou e o proprietário não autorizou, vamos pensar no reparo do dano. Na Europa tem uma multa. Mas punir, simplesmente, não”, afirmou.

O secretário municipal da Cultura, André Sturm, defendeu que a pichação “é composta basicamente de letras e marcas, já o grafite é colorido, tem vida”. No entanto, ele concordou com Pas ao afirmar que o melhor limite seria autorização do proprietário do imóvel que recebeu a intervenção. “Sem autorização, não pode fazer nem uma cópia da Mona Lisa (quadro de Leonardo Da Vinci).” Sturm disse que vai garantir formação para os servidores responsáveis pela fiscalização e que na próxima semana a gestão Doria vai anunciar um programa para os grafiteiros chamado Museu de Arte Urbana.

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