Comissão de juristas formada para enfrentar o crime está ‘fadada ao insucesso’

Fonte: Rede Brasil Atual

São Paulo – Em meio a uma agenda política dominada pela operação de salvamento do mandato do presidente Michel Temer frente à segunda denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR), o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), instalou, no último dia 17, uma comissão de juristasencarregada de elaborar um anteprojeto de lei sobre o combate ao tráfico de drogas e armas no Brasil.

Comandado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, o grupo terá quatro meses para elaborar uma proposta com “medidas investigativas, processuais e de regime de cumprimento de pena”.

“É uma agenda fundamental para o nosso país, uma preocupação crescente de segurança pública, e tenho certeza de que a sociedade vê que a Câmara tem uma agenda política, econômica e de temas que afetam o dia a dia da sociedade”, afirmou Rodrigo Maia, na instalação da comissão. Segundo o presidente da Câmara, a perspectiva é que o projeto possa ser votado “até meados do ano que vem”, ou seja, poucos meses antes do processo eleitoral.

Para Alexandre de Moraes, o objetivo da comissão de juristas não será o de rever aumento de penas, mas tornar a Justiça mais preparada para enfrentar o crime organizado. “Vamos criar uma legislação enxuta e moderna com base em exemplos do exterior e no princípio da proporcionalidade”, disse o ministro do STF. Em agosto de 2016, como ministro da Justiça, Moraes estrelou um vídeo em que aparecia cortando, a golpes de facão, plantações de maconha no Paraguai.

Além do ministro do STF, o grupo formado por Rodrigo Maia é composto pelo presidente do Conselho de Política Criminal e Penitenciária Cesar Mecchi Morales, a defensora pública da União Érica de Oliveira Hartmann, o procurador-geral de Justiça do Ministério Público de São Paulo Gianpaolo Poggio Smanio, o subprocurador-geral da República José Bonifacio Borges de Andrada, a promotora de Justiça da Bahia Mônica Barroso Costa, e os advogados Renato da Costa Figueira, Renato de Mello Jorge Silveira e Patrícia Vanzolini.

Efeitos práticos

A iniciativa de Rodrigo Maia não empolga nem um pouco Arthur Trindade, professor de sociologia da Universidade de Brasília (UNB) e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Ele teme que o trabalho da comissão se resuma a área penal e processual. “Acho pouco provável, pelo desenho desse grupo, que possa propor algo interessante”, pondera. “Se é uma comissão de juristas constituída pelo Legislativo, a única coisa que podem entregar é uma lei.”

Na avaliação de Arthur Trindade, o tema do crime organizado no Brasil precisa ser tratado em diversas dimensões. Para ele, o importante nesse enfrentamento deve ser o fortalecimento institucional, principalmente dos setores de inteligência dos governos estaduais e federal, que devem ser melhor estruturados.

O professor da UNB defende que se olhe para a questão econômica do crime organizado, que tem de um lado a lavagem de dinheiro, e de outro a recuperação de ativos. “A principal maneira de diminuir o poder do crime organizado é estrangulando o dinheiro”, afirma.

É nesse sentido que ele enfatiza a importância das ações na área de inteligência, capacitação e melhoria de articulação entre as polícias militar, civil e federal. “A mudança legislativa é um único item, há medidas mais impactantes do que mudança processual”, avalia, destacando que o setor de inteligência das policiais estaduais “é frágil”, enquanto a Polícia Federal esteve, nos últimos tempos, mais preocupada com questões de terrorismo e monitoramento de grupos de esquerda, “um uso desnecessário da inteligência”.

“Nenhum país tem condição de monitorar muitos temas e grupos, estão é preciso selecionar. Escolher é uma grande decisão política”, pondera o professor e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

“Essa comissão é um puxadinho”

Para Rafael Custódio, coordenador de Violência Institucional da ONG Conectas, a criação da comissão de juristas é indicativo de como os políticos estão desconectados da realidade do sistema de segurança pública e criminal.

“A ideia de recrudescer a legislação penal demonstra um desconhecimento da realidade não só do Brasil, mas também de outros países do mundo. É evidente que o direito penal não pode, por si só, ser eficiente no aprimoramento da segurança da população”, afirma, lembrando que o país tem uma das maiores populações carcerárias do mundo e isso não tem feito as taxas de homicídio caírem.

“Essa comissão é um puxadinho”, define Custódio. O coordenador da Conectas destaca ser preciso aceitar que o modelo de segurança em curso no Brasil, para enfrentar o crime organizado, não deu certo. “Na prática, essa ideia de mais repressão, de colocar mais gente na cadeia, dificultar a progressão de regime, são coisas que vão fortalecer ainda mais o crime organizado. Se insiste num remédio para uma doença que não vai ser tratada dessa maneira.”

Na opinião dele, persistindo nesse caminho, a comissão formada por Rodrigo Maia estará “fadada ao insucesso”. “É fazer mais do mesmo, certamente não teremos nada que possa acrescentar ao combate ao crime organizado”, afirma. Assim como Arthur Trindade, para o coordenador de Violência Institucional da Conectas o caminho é mudar o arranjo constitucional da segurança pública do país, com duas polícias, civil e militar, que não conversam entre si.

“A PM tem um apelo popular, se coloca viatura na rua, é visível, mas por outro lado não se investe na parte científica, na investigação, porque não tem visibilidade e não dá ganho político. A PM vai para a rua e atua no varejo da criminalidade, e a Polícia Civil, que deveria investigar, não tem estrutura pra isso.”

Citando o exemplo dos Estados Unidos, onde diversos estados já legalizaram o uso medicinal ou recreativo da maconha, além de políticas públicas semelhantes de descriminalização em países europeus e no Uruguai, Rafael Custódio pondera que, enquanto outros países aceitam que a guerra às drogas falhou, o Brasil ainda trilha um caminho que não produziu bons resultados em décadas.

“O mundo inteiro está avançando para que o combate ao tráfico seja feito pela regulamentação. O Brasil está atrasado e precisa tratar o tema de outro modo”, explica o coordenador da Conectas.

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