Contra ‘destruidores de sonhos’, pedagoga evoca Paulo Freire, Florestan e Celso Furtado

Fonte: Rede Brasil Atual

Penúltima a falar no ato de lançamento do livro coletivo A Resistência ao Golpe de 2016, ontem (20) à noite, a educadora Anita Freire evocou três nomes de brasileiros ligados a ideias de transformação no Brasil: seu marido, o também educador Paulo Freire, o sociólogo Florestan Fernandes e o economista Celso Furtado. “Três homens que lutaram por este sonho de um país melhor”, disse Anita, pouco depois de criticar os atuais mandatários. “Este governo que está aí não está só acabando com os projetos políticos de igualdade, ele está destroçando os sonhos de nós, brasileiros e brasileiras. Está querendo que esqueçamos tantos anos de luta”, afirmou, pouco antes do encerramento do evento que lotou o auditório da Casa de Portugal, no bairro da Liberdade, região central de São Paulo.

Foi, possivelmente, o principal momento do ato, que teve muitos pedidos pela unidade da esquerda, como do ator e diretor de teatro Celso Frateschi, que vê em curso um episódio da luta de classes. “Como artista, eu percebo que todo esse obscurantismo e essa violência aos valores democráticos não são por maldade. Não é uma questão de mal, é de capital. O ódio de classe é manifestado pelo capital”, afirmou Frateschi, para quem é preciso combater o “domínio dos rentistas” no Brasil. Frateschi fez um “apelo para todas as lideranças de esquerda” no país: “Está na hora de se sentar e ter uma estratégia comum. Juntem-se e deem uma direção um pouco mais clara”.

“Nossas histórias”

Outra representante da área cultural, a cineasta Tata Amaral lembrou que o crescimento da produção brasileira nos últimos anos não é por acaso: “Isso é fruto de uma política cultural. Queremos continuar produzindo e continuar sendo vistos. As nossas histórias não eram veiculadas e passaram a ser. É muito importante que a gente conte a história de nosso jeito”. Segundo ela, o próprio governo interino reconheceu que a cultura é um setor estratégico, tanto que tentou “desmontar” o ministério. “Não tem volta. Estamos aqui para ficar e tomar a rédea de nossas narrativas.”

“Confundimos estar no poder com tomar o poder das elites”, disse o secretário adjunto de Promoção da Igualdade Racial no município de São Paulo, o advogado Elizeu Soares Lopes. Para ele, a presidenta Dilma Rousseff deve voltar “para não se aliar ao capital financeiro” e implementar a agenda dos trabalhadores, aprofundando reformas e dialogando com os movimentos sociais. “Nós precisamos unificar nossa posição”, afirmou Elizeu.

Um dos organizadores do ato, o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) defendeu um “estado de rebelião permanente” no país até a volta de Dilma ao Planalto. “O que precisamos fazer aqui é criar um clima de rebelião no Brasil”, afirmou, atacando o presidente interino, Michel Temer.

“Em torno do Temer floresceu uma quadrilha. Todas as práticas patrimonialistas estão no poder agora. Estão à espreita os piores interesses”, disse o parlamentar, acrescentando que “o velho não irá se impor” e defendendo reforma política e democratização da mídia e do Judiciário. “Não é à toa que não tem uma mulher no ministério. É que uma mulher (Dilma) incomodou os machos.”

Para Teixeira, o livro lançado ontem em São Paulo, a exemplo do que já acontecera em Brasília e em outros locais, “não pode ser um registro para a história, mas é um instrumento de luta para tirar do poder um governo ilegítimo e devolver ao Planalto uma mulher que foi eleita legitimamente”. Segundo ele, o golpe no Brasil teve aspectos parlamentar, midiático, empresarial e judicial.

Estado e cidadania

A professora de Direito Gisele Citadino, que está entre os organizadores do livro (com 103 artigos), lembrou que a obra vai desde a fase “pré-golpe” até boa parte do mês de maio, sendo “publicado no calor da luta”. “O livro tem múltiplas abordagens, a partir de falas e sujeitos diferentes. Por que aconteceu, quem deu o golpe e quem ganha”, resumiu. Segundo ela, além de ajudar na pressão contra os senadores, que decidirão sobre o processo de impeachment, a obra também ajuda a mostrar que o momento atual não é inédito, mas acontece sempre que a elite brasileira se sente acuada.

“As grandes derrotadas neste golpe de 2016 são as camadas populares”, acrescentou Gisele, chamando a atenção para a tentativa de retirada de direitos toda vez que se busca um “Estado mais inclusivo”. “Não conseguirão evitar que a cidadania se institua e se mantenha.”

Se o diagnóstico é comum sobre as consequências do impeachment – supressão de direitos, entrega de patrimônio nacional, ataque contra os movimentos sociais –, as propostas ainda são discutidas. Uma parcela defende a volta de Dilma e a continuidade do governo, com outras premissas, enquanto outros admitem a ideia de um plebiscito para avaliar a possibilidade de nova eleição.

Para o vereador Jamil Murad, presidente municipal do PCdoB em São Paulo, esse cenário pode ser considerado. “Não podemos ficar só no ‘Fora Temer'”, afirmou durante o evento. “Temos de ver o caminho para restabelecer a democracia”, acrescentou, dizendo que estão em jogo “os interesses nacionais mais profundos”. “Esse golpe é antinacional, antidemocrático e antipopular.” Assim como o presidente estadual do PT, Emidio de Souza, Jamil destacou a resistência ao impeachment: “Eles não esperavam por isso. Esse golpe tem vida curta. Eles começam a temer a derrota no Senado”.

A procuradora da República Eugenia Gonzaga, presidenta da Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, discorda da proposta de plebiscito. “Não estamos defendendo um partido, estamos defendendo a legalidade”, afirmou, defendendo um “pacto” pela volta de Dilma. “Ela é a pessoa mais limpa de todos esses nomes”, disse Eugenia, em um momento em que parte da plateia gritou “volta, querida”. A procura lembrou o motivo da permanência na Comissão mesmo com a mudança de governo: “Decidimos ficar porque entendemos que o tema não pode ficar órfão”.

Falaram ainda representantes dos estudantes, dos advogados e do movimento LGBT, entre outros (como os fóruns pela Educação Inclusiva e contra a Terceirização e a Frente de Juristas pela Democracia), além do coletivo Jornalistas Livres. Foram exibidas três mensagens em vídeo: do músico Edgard Scandurra, do jornalista Juca Kfouri e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para Lula, os idealizadores do golpe “já perderam a batalha da credibilidade” e sabem que não têm legimitidade e nem “condições políticas e morais” para fazer o país retroceder. Falando em Estado de direito e em “diretas já”, Juca afirmou que a esquerda deve repensar seus caminhos: “Não é possível dar o próximo passo sem autocrítica”.

A vice-presidenta da União Nacional dos Estudantes (UNE), Tamires Gomes Sampaio, disse que o golpe foi dado por um elite “que não suporta as transformações” e fez uma comparação entre o golpe de 1964, quando a sede da entidade foi atacada, e o momento atual, com a proposta de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar a UNE. “Nós estamos nas ruas e não sairemos enquanto este governo golpista aí estiver.”

E em uma noite em que foram lembrados nomes destacados do pensamento nacional, também houve espaço para o escritor Mário de Andrade. O ator Pascoal da Conceição, que incorpora o poeta modernista, subiu ao palco para declamar, junto com o público, parte da Ode ao Burguês, escrita em 1922. O último verso (“Fora! Fu! Fora o bom burguês!…”) foi emendado com o bordão “Fora Temer”.

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