GRADUAÇÃO EM PSICANÁLISE É ESTELIONATO, com Luciano Elia

Que a psicanálise, a formação dos psicanalistas e portanto também a sua praxis sejam elitistas não resta a menor dúvida, e afirmar isso é incorrer em truísmo.

Que a psicanálise, em sua estrutura discursiva, não contém em si nenhum elemento (conceitual, clínico, ético, metodológico, político) que dê fundamento a qualquer elitismo já não é tão óbvio, e por isso venho sustentando há muitos anos essa proposta e tentando demonstrá-la em pesquisa, publicações e transmissão dentro e fora da universidade: O elitismo da psicanálise é uma construção histórico-social de seu movimento, que trai os princípios e coordenadas discursivas do campo do inconsciente.

Numa conjuntura em que um dos frutos do neoliberalismo pentecostal se aproveita desse flanco vulnerável (o caráter elitista da psicanálise) para promover não apenas a degradação da formação psicanalítica como sobretudo a sua mercantilização mais rasteira – e pior, vendendo também essa proposta travestida de “democratização da psicanálise”, bem no estilo perverso das práticas atuais – surfar na onda dessa manobra oportunista para discutir “o elitismo da psicanálise” é no mínimo uma ingenuidade desastrosa.

Freud conclui sua bela intervenção no Congresso de Budapeste (Caminhos da terapia psicanalítica) assim: “qualquer que seja a forma que tome essa psicoterapia para o povo, […] seus ingredientes terão que ser tomados da psicanálise estrita e não-tendenciosa” (1918).

Ora, é exatamente o contrário do que um curso de graduação em psicanálise faz. Vende a psicanálise depreciada na feira, e não a custos baixos. Custo monetário alto, custo discursivo bem mais alto!

Quanto mais se aperte o torniquete do rigor, e mais se eleve o nível da elaboração conceitual e metodológica do discurso psicanalítico, mais se aprofunda e evidencia a sua vocação popular – indiferente às estratificações de classe desde o ângulo do sujeito do inconsciente. Não será portanto por um vetor invertido – que faz esse rigor desabar no chão dos interesses do mercado, democratizando um subproduto e não o ouro-em-pó que Freud nos legou, que vamos deselitizar a psicanálise.

O que vamos conseguir com isso é servir, como patos, aos que querem destruir a psicanálise como praxis subversiva da ordem do capital (mesmo em seu interior) e tornar acessível aos “cartões de crédito” educativos o pior nível do que inclusive nem será mais a psicanálise. (Luciano Elia)

Luciano Elia é formado em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio (1978), pós-doutor em Psicanálise e Criminologia na PUC-Rio (1995), doutor em Psicologia Clínica – Psicanálise da psicose, pela PUC-Rio (1992) e mestre em Psicologia Clínica – Inconsciente e filosofia pela PUC-Rio (1984). É também especialista em Psiquiatria pelo Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB/UFR, 1982).

Atualmente, é professor titular da Área de Psicanálise do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, co-fundador e ex-coordenador do Programa de Pós-Graduação em Psicanálise (Mestrado e Doutorado acadêmicos) e coordenador do Programa de Mestrado Profissional em Psicanálise e Políticas Públicas, ambos do Instituto de Psicologia da UERJ. É membro da diretoria da APPEC – Assistência e Pesquisa Em Psicologia Educação e Cultura e assessor técnico-científico “ad hoc” da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).

É psicanalista desde o início de sua carreira profissional, em formação permanente no Laço Analítico/Escola de Psicanálise, de cuja fundação em 1998 participou e do qual é hoje AME – Analista Membro da Escola e integrante de seu Coletivo Diretor.

Tem experiência na área da pesquisa em Psicanálise, com ênfase em Metodologia da pesquisa em Psicanálise, o Inconsciente a o Campo Público, Discurso Analítico e Discurso Científico, Pesquisa clínica em Psicanálise em Instituições Públicas de Saúde Mental, atuando principalmente nos seguintes temas: psicanálise, clínica psicanalítica, sujeito, saúde mental e clínica institucional pública.

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