‘Guantánamo’ paulista encarcera e libera jovens sem critério, denuncia advogado

Fonte: Rede Brasil Atual

A Unidade Experimental de Saúde (UES) – um suposto hospital psiquiátrico do governo estadual de São Paulo – completou dez anos em dezembro, mantendo critérios pouco claros para a liberação e manutenção de pessoas encarceradas, como denuncia o advogado de um dos internos, Daniel Adolpho. Em 2014, a unidade chegou abrigar seis jovens que cometeram crimes considerados graves e que foram diagnosticados com um suposto transtorno de personalidade antissocial. Quatro deles foram liberados depois de a Justiça avaliar que eles não recebiam tratamento dentro da unidade.

“Em todos os casos a saída dos internos foi por motivação semelhante, o que é bastante crível se for aplicada aos dois que sobraram: a Justiça entendeu que eles não precisam ficar lá dentro e considerou que em liberdade o tratamento seria mais efetivo, já que lá dentro não há tratamento”, diz o advogado. “Diferente do sistema prisional, os jovens internos na unidade têm família muito presente, que demonstra interesse em manter vínculos, que foi uma peça fundamental para decisão do juiz. O mesmo valeria para os outros dois.”

Um dos jovens mantidos internos no local ficou conhecido no país como “Campinha”. Em 2003, ele e quatro adultos sequestraram e mataram o casal de estudantes Liana Friedenbach e Felipe Caffé, que acampavam na cidade paulista de Embu-Guaçu. O caso teve ampla repercussão na mídia. O jovem cumpriu três anos de medida socioeducativa, pena máxima prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e às vésperas de ser liberado sua pena foi convertida em medida protetiva de tratamento psiquiátrico com contenção. Assim, a Justiça o manteve internado até os 21 anos.

Próximo ao fim da segunda medida protetiva, o Ministério Público de São Paulo entrou com um pedido de interdição civil e internação hospitalar compulsória, no Fórum de Embu-Guaçu, que foi acatado. Assim, o jovem foi transferido em 2007 para a Unidade Experimental de Saúde. Em maio deste ano completará 10 anos que o jovem está preso sem cumprir pena ou receber tratamento médico.

“O juiz o mantém interno mais por medo da reação dos aparelhos midiáticos”, diz Adolpho. “Toda essa conduta reforça que a unidade foi criada para dar uma resposta social. Sempre houve crimes que impactaram a sociedade. O estado tem gastado bastante dinheiro para manter essa prisão e crimes graves continuam ocorrendo, mas ainda de forma inexpressiva do ponto de vista percentual.”

Os internos da Unidade Experimental de Saúde (UES), localizada na Vila Maria, na zona norte de São Paulo, são egressos da Fundação Casa que já cumpriram as medidas socioeducativas previstas em lei e, sem terem praticado novos crimes, continuam detidos de forma “preventiva”.

No local – criado pelo governador Cláudio Lembo (DEM), e mantido por seus sucessores, José Serra (2007-2010) e Geraldo Alckmin, ambos do PSDB – não há médico de plantão, falta projeto terapêutico e regimento interno. No interior da unidade, trabalham agentes penitenciários, o que não é permitido por lei, já que se trata de uma instituição não penal.

No último domingo (5), a Secretaria de Saúde, que administra o equipamento desde 2007, se pronunciou pela primeira vez a favor do seu fechamento. De acordo com o Jornal O Globo o órgão informou por e-mail que “se houver decisão pelo seu fechamento, a secretaria irá atender imediatamente, pois a pasta também é favorável ao fechamento do serviço”. Procurada pela RBA, a secretaria não respondeu até a publicação desta reportagem.

“É difícil defender a permanência da Unidade Experimental de Saúde do ponto de vista da moralidade administrativa e da legalidade da gestão pública. Não há proporcionalidade ao se investir milhares de reais para conter duas pessoas, por muitos argumentos da direita à esquerda”, diz o advogado.

As diversas irregularidades no funcionamento da Unidade Experimental de Saúde motivaram a Procuradoria da República de São Paulo, entidades pró-direitos humanos e o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo a moverem uma ação civil pública exigindo o fechamento da unidade. As entidades consideram que “o tratamento que tem sido dispensado a esses jovens é medieval” e reforça que eles estão “encarcerados sem o devido processo legal, por tempo indeterminado, em estabelecimento que não lhes proporciona tratamento adequado”.

A Organização das Nações Unidas (ONU) já realizou duas inspeções na unidade. A primeira delas, em 2011, feita pelo Subcomitê de Prevenção da Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes, “recomenda que a unidade de saúde experimental seja desativada”. A outra, feita em 2013 pelo Grupo de Trabalho sobre Detenções Arbitrárias, alerta que “não há revisão judicial desses casos” e que “para responder à pressão social e da mídia” foi utilizada “uma lei de 1930”.

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