Por que as ocupações em São Paulo duram menos de 24 horas?

A luta secundarista tem sido fortemente marcada por repressões, tanto físicas como psicológicas, por parte da Polícia Militar. Desde a primeira reintegração de posse com mandato, feita no dia 09 de novembro de 2015, na Escola Estadual Fernão Dias Paes, a PM tem utilizado um conceito do Direito Civil chamado esbulho.

Presente no artigo 1.210, inciso 1º. do Código Civil, essa teoria foi naturalizada pela jurisprudência, numa decisão de exceção, para reprimir os movimentos estudantis atuais. Ou seja, foi feita uma modificação dentro do conjunto de interpretações dessa lei pelos tribunais com o intuito de cessar e deslegitimar essas ocupações.

A ação de esbulhar se caracteriza por agir desonestamente, ou com negligência, em alguma propriedade ou apossar-se dela, sendo pública ou privada. Diferentemente da pauta escolhida pelos estudantes, que estão se manifestando com o objetivo de reivindicar direitos, e não se apropriando das escolas usando a força e com ânimo de permanecer nelas. Entretanto, essas noções têm gerado livres interpretações diante dos olhos dessa onda de conservadorismo instalado no Brasil atualmente. As consequências desse cenário são ações incoerentes e arbitrárias em relação a esses secundaristas.

A Procuradoria Geral do Estado de São Paulo (PGE), para efetivar a repressão dessas ocupações, foi adaptando o conceito do esbulho para que assim fosse possível realizar a desocupação das escolas de uma forma “legal”. O procurador Elival da Silva Ramos concedeu o pedido de desocupação das escolas técnicas, em maio deste ano, pelo atual Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, então secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo. Ele elaborou um parecer que defende a possibilidade de autotutela realizada pelo Executivo. Ou seja, tornou-se possível que o Estado as retomasse sem a necessidade de uma autorização judicial.

Além disso, os diretores do colégio ou da própria Secretaria da Educação são convocados para afirmar que os estudantes, durante o ato de ocupação, estão tomando a posse integral das escolas ou até mesmo deteriorando este patrimônio público, para que assim seja justificada a solicitação de uma liminar de reintegração de posse a um juiz e a Polícia seja acionada para reprimir essas ocupações.

Esse contorno realizado pelo esbulho, um dos conceitos mais elementares do Código Civil, tem motivado a intensa atuação da PM de forma violenta na desocupação das escolas. O movimento estudantil novamente ganhou força durante o último mês, com as mais de mil ocupações, e juntamente a ele, os relatos de abuso de poder pela parte dos agentes do Estado têm crescido fortemente. Como no recente caso da ocupação da sede do Centro Paula Souza, quando estudantes foram impedidos de realizar a ocupação devido às ações truculentas da PM.

O prédio foi cercado por cordões de isolamento e um dos policiais agrediu o estudante Mateus, 16, com um chute no queixo, e acabou tendo o dente quebrado durante a ação de desocupação que os oficiais alegaram como pacífica e legal. Neste caso, a medida realizada foi a autotutela, que não possui documento jurídico nem ordem judicial e conta apenas com um parecer (opinião de um juiz sobre o caso). Sendo assim, não possui decisão legal para ser utilizada contra os secundaristas, mas a Polícia foi autorizada para agir.

As violações contra os Direitos Humanos e o Estatuto da Criança e do Adolescente não cessam. A questão legal se une fortemente com esse histórico de ações violentas que vêm sendo questionadas por uma parcela da sociedade. Afinal, essas justificativas para as desocupações, unidas pelo entorpecimento do significado real do movimento estudantil, têm sido fruto de um jogo de poder por parte do Estado, afim de calar a voz dos secundaristas e dos movimentos sociais.

• Foto: Fernando Sato

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