Pulverização aérea nas cidades contra o Aedes vem em meio a queda na venda de agrotóxicos

Fonte: Rede Brasil Atual

Sancionada pelo presidente interino Michel Temer (PMDB) no último dia 27 de junho, a Lei 13.301, que autoriza a pulverização aérea de venenos sobre as cidades com o propósito de combater o Aedes aegypti, transmissor do vírus zika e de outros causadores da dengue e chikungunyua, atende a interesses não da população, mas da indústria de agrotóxicos e do setor de aviação agrícola. A afirmação é de André Búrigo, professor e pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, vinculada à Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz).

Ele lembra da Medida Provisória 712, assinada em 29 de janeiro pela presidenta afastada Dilma Rousseff e o então ministro da Saúde Marcelo Castro (PMDB). “Foi incluída no projeto de lei no Congresso por pressão da bancada ruralista, que defende interesses da indústria de agrotóxicos que financia suas campanhas. Isso numa época em que foi registrada redução na venda de agrotóxicos no país”, conta.

“Ronaldo Caiado (senador pelo DEM-GO) conduziu uma audiência pública para defender essa medida. A gente pode considerar que é uma violência do agronegócio e que é uma violência também do governo interino de Temer.”

Dados do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg). O balanço anual do setor mostra uma queda de 23% em comparação com 2014. Entre as causas, a desvalorização do real e a dificuldade para obtenção de linhas de crédito rural devido à inadimplência no campo. Segundo o sindicato patronal, a indústria financia quase 70% das vendas aos agricultores. A retração no Brasil teve consequências no mercado global, que encolheu 9,8% em 2015. Foi a primeira vez em cinco anos de crescimento que as vendas caíram.

Ao lado dos Estados Unidos, o Brasil é o maior mercado comprador de agrotóxicos do mundo, no qual ainda são vendidos herbicidas como o glifosato e 2,4-D, classificados como provavelmente e possivelmente cancerígenos pela Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (Iarc), ligada à Organização Mundial de Saúde (OMS).

O consumo excessivo está associado a casos de contaminação ambiental e de intoxicações coletivas, com graves impactos, como Lucas do Rio Verde (MT), Rio Verde (GO) e Chapada do Apodi (CE), relatadas noDossiê Abrasco: um alerta dos impactos dos agrotóxicos na saúde. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) reavalia os impactos do glifosato e do 2,4-D. Embora sobrem comprovações científicas dos malefícios para respaldar sua decisão, a agência é pressionada pelo agronegócio e indústria.

Búrigo entende não ser à toa que o setor da aviação agrícola venha se esforçando, há anos, para emplacar sua proposta num projeto de lei. O assédio antigo enfrentou resistência de outros ministros da Saúde, como José Gomes Temporão, no governo Lula, que sustentaram argumentos da equipe técnica contra a pulverização.

“Com essa medida, eles melhorar junto à população sua imagem desgastada pela associação negativa com os impactos dos agrotóxicos. “Vários países europeus estão para banir a pulverização aérea de suas lavouras e o nosso país caminha no sentido contrário. O número de aeronaves cresce e agora eles estão querendo jogar veneno sobre as cidades”, diz.

Outra intenção, acredita ele, é ampliar o nicho de mercado para os aviadores agrícolas. “Há pistas disso no próprio site da entidade, nos vídeos e entrevistas e até na programação de um evento realizado há pouco tempo”. Porém, o “tiro saiu pela culatra” segundo o pesquisador porque há muitas críticas. Entre elas, considerar uma violência do agronegócio sobre a população brasileira.

A medida representa grande risco à saúde humana, animal e ao meio ambiente. Estudos mostram que, quando um avião pulveriza uma lavoura, voa normalmente abaixo de três metros de altura, o mais perto possível do solo, para que a nuvem de veneno esteja mais perto do alvo. “E ainda assim, a pulverização aérea agrícola está à contaminação porque não há controle absoluto no procedimento”, diz.

Conforme nota técnica do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde, divulgada em abril, estudos mostram que menos de 0,1% dos agrotóxicos aplicados nas culturas atingem as pragas-alvo, enquanto que sua nuvem pode atingir até um raio de 32 quilômetros, contaminando o solo, as águas e o ar. Toda a biodiversidade e a saúde humana são afetadas direta e indiretamente, levando a doenças graves que se manifestarão com o passar do tempo.

Outra medida polêmica defendida pelo ministro interino da Saúde, Ricardo Barros, é a adoção de mosquitos transgênicos no combate ao mosquito Aedes. “Vamos em busca dessa tecnologia de esterilização do mosquito e de outras. O negócio é matar o mosquito, atacar o vetor”, disse, em sua primeira entrevista coletiva à frente do Ministério, em 13 de maio.

O pesquisador da Fiocruz explica que, em função do relevo das cidades, da presença de prédios, de redes de energia elétrica e pelo fato de essas regiões serem densamente povoadas, os aviões terão de pulverizar os venenos em altitudes muito acima daquelas praticadas na agricultura.

“Imaginem aviões espalhando veneno a uma altura acima de 30 metros!”, diz. “O que está sendo autorizado é o envenenamento de jardins, parques, praças, da água, comprometendo o saneamento, e até experiências urbanas de agricultura orgânica, os animais.”

Ainda não se sabe qual será a substância usada na pulverização aérea contra o Aedes, mas é dado como certo que seja usado o Malathion, pulverizado atualmente em áreas de grande infestação do mosquito.

De acordo com a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), pelo que se conhece do produto é sua capacidade de afetar o sistema nervoso central. Por isso é considerado pela Iarc como um provável carcinógeno humano. Para complicar, o mosquito tornou-se resistente ao veneno utilizado há décadas no seu combate.

O veneno, conforme destaca Búrigo, não terá limites. “Vai atingir creches, escolas, unidades de saúde, crianças, idosos, gestantes, moradores de rua, pessoas doentes com o sistema imunológico fragilizado. É uma tragédia anunciada.”

Logo que foi aprovada, a lei foi criticada por todas as entidades da área de saúde do país. A própria área técnica do Ministério da Saúde, Fiocruz, Abrasco, Conselhos Nacional de Secretários Estaduais e Municipais de Saúde (Conass e Conasems), Associação Brasileira de Centros de Informação Toxicológica (Abracit), Sociedade Brasileira de Toxicologia (SBTox), além do Conselho Nacional de Saúde e do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), entre outras entidades, enviaram ofícios ao ministro e presidente interinos, pedindo o veto da lei. A resposta foi sua sanção na íntegra.

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