‘São contra o aborto, mas abortam futuro do país’, diz Lula, sobre corte de recursos da educação

Fonte: Rede Brasil Atual

Diamantina – No dia em que mais uma pesquisa atestou a preferência nacional pela volta de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República, a caravana Lula pelo Brasil em Minas Gerais levou o ex-presidente a uma reunião com reitores de 19 universidades e institutos federais do estado. Na conversa, na manhã deste domingo (29), Lula foi tratado como chefe de Estado. Durante duas horas foram discutidas demandas e propostas para a educação pública nacional.

Participaram a ex-presidenta Dilma Rousseff, os ex-ministros Fernando Haddad (Educação) e Luiz Dulci (Secretaria-Geral), a secretária estadual de Educação, Macaé Evaristo dos Santos, e deputados federais com forte relação com a área, como Margarida Salomão e Reginaldo Lopes.

O encontro, na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), foi o último compromisso em Diamantina. No fim da tarde, a comitiva foi para Cordisburgo, terra de Guimarães Rosa, e chega nesta segunda-feira (30) em Belo Horizonte. A etapa mineira da viagem, que já percorreu o Nordeste em agosto, termina com ato público no final da tarde, na Praça da Estação, centro da capital – cumprindo um percurso de 1.500 quilômetros, por 20 cidades.

A anulação da emenda do teto dos gastos é considerada crucial pelos especialistas do setor. Uma das primeiras medidas do “programa” que levou ao golpe, a Emenda Constitucional 95 foi sancionada em dezembro do ano passado por Michel Temer, e determina que o Orçamento da União seja reajustado, no máximo, pela inflação do ano anterior – como se as demandas sociais por educação e saúde, por exemplo, fossem determinadas pelo IPCA e não pelo crescimento populacional – e agravadas pela crise econômica, em que a queda de emprego e renda leva ainda mais gente a depender dos atendimentos públicos.

“São todos contra o aborto, mas abortaram o futuro do país”, criticou Lula, citando o apoio de parlamentares das bancadas mais conservadoras do Congresso Nacional aos cortes de verbas para escolas e universidades. Uma categoria política que a ex-presidenta Dilma já classificou de “moralistas sem moral”, por destituir uma presidenta eleita e honesta para colocar corruptos em seu lugar, e empenhados em destruir políticas de inclusão e governar para o “mercado”.

“Tudo passa por definirmos que tipo de educação a gente quer para o país, e temos de fazer esse debate”, afirmou Lula, descrevendo o discurso “inteligente” do pós-golpe. “Chamam todos de ladrão e falam que precisa cortar gastos. Todo cidadão acha que tem de cortar gastos. O que temos que mostrar é que não é gasto que estão cortando, mas a possibilidade de esse país se tornar uma grande nação.”

O ex-presidente convocou os reitores para o debate que vem sendo promovido pelas caravanas com a sociedade, inclusive para que não paguem pelo golpe. “O fato de vocês não estarem cumprindo aquilo que era o desejo de todos nós, de concretizar o Reuni, de fazer as faculdades que falta fazer, de terminar os refeitórios, os apartamentos para a meninada dormir. Se a gente não começar a discutir com eles o que está acontecendo, vai cair nas costas dos reitores”, alertou. “Não há nenhuma razão para que um magnífico reitor ou magnífica reitora esteja acuado. O momento é de vocês irem para a linha de frente da batalha e dizer que tinham assumido compromisso com esse país, com a universidade de vocês e, de repente, chega um governo que não pediu sequer licença para as pessoas, toma conta e tenta desmontar tudo que estava em andamento.”

Dilma fez um paralelo com o impeachment. “Qualquer contrato hoje não tem a menor seriedade para que seja cumprido. Rasgaram-se os processos democráticos e agora não se respeita nem se dá continuidade a uma coisa que é fundamental para o país que é a educação”, disse. Segundo ela, um dos motivos do golpe de Estado é porque divergiam do investimento que consideram excessivo em Educação. “E eu quero dizer a vocês aqui que é insuficiente. Apesar de termos tido em nosso período um crescimento real de 206% – e no meu governo superamos em R$ 54 bilhões os 18% exigidos ao financiamento da Educação, isso ainda é insuficiente”, reforçou.

Lula lembrou que o Brasil tinha 3,5 milhões de estudantes cursando uma universidade no país em 2003 e hoje tem mais de 8 milhões. “Não é nada (diante do que o país precisa), mas já dobrou”, afirmou. “Como é que nós vamos ficar ricos? Quem vai responder é a educação”, completou Dilma.

Autonomia e soberania

O ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad – ministro da Educação de 2005 a 2012 –, lembrou que anualmente, durante os governos petistas, eram feitas reuniões como essa. “O PNAE (Plano Nacional de Alimentação Escolar, muito lembrado na caravana por agricultores familiares), o Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), foram pensados em reuniões assim. É a autonomia universitária em contato com a soberania popular”, disse Haddad. “O problema do país é que está sendo conduzido por homens pequenos, que não têm dimensão da importância que o Brasil tem.”

Os reitores das instituições mineiras abordaram com Lula as dificuldades após o desinvestimento, o potencial de expansão de cursos por intermédio dos campi já criados, a atuação integrada dos campi dos institutos e das universidades federais para ampliação do estudo profissionalizante, a relação com o ensino fundamental e as estruturas que deveriam compor um ambiente de universalização que padecem de falta de professores diante do corte de verbas.

“As instituições cresceram e agora vivem uma crise em função desse não investimento”, explicou o anfitrião do encontro, o reitor da UFVJM, Gilciano Saraiva Nogueira. “As universidades que aceitaram essa expansão e ingressaram de forma agressiva, como a nossa, hoje estão pagando muito caro por isso”, afirmou. “Nós abrimos cursos, mas não temos professores. Só os cursos e os alunos. Nós abrimos novos campi na certeza de ter infraestrutura e muitas das nossas instituições não têm esgoto, água potável.”

Luiz Dulci, que foi ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República nos dois mandatos de Lula, ressaltou que educação não pode ser entendida como um componente isolado de um orçamento público. “Estamos falando de desenvolvimento. A fala dos reitores aqui mostra que tudo que fizemos precisa continuar expandindo ou não se consolida.” Para ele, a ofensiva conservadora põe em risco não apenas as universidades e a autonomia necessária para a pesquisa científica. Compromete o desenvolvimento e inviabiliza qualquer projeto de nação soberana.

Por isso, na mesma dimensão da reforma trabalhista que entra em vigor a partir de 11 de novembro, a emenda do teto de gastos está na mira do referendo revogatório que Lula assimilou como projeto a ser encampado pelos movimentos sociais e a sociedade organizada para a disputa presidencial do ano que vem. Oferecer à população o direito de “anular todas as sacanagens do golpe” é o ponto de partida desse projeto.

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