Temer impõe ‘Escola sem partido’ à Universidade Federal do ABC

O projeto Escola sem Partido, que pretende combater a doutrinação de esquerda nas escolas e defender uma educação supostamente neutra, ainda nem foi votado e sancionado, mas já está sendo implementado pelo ministro da Educação, Mendonça Filho. Na semana passada, após visita de dirigentes da Confederação Israelita do Brasil (Conib), o titular interino do MEC determinou à reitoria da Universidade Federal do ABC (UFABC) mudanças em edital para contratação de professores. No último dia 13, o reitor Klaus Capelle publicou novo edital no Diário Oficial da União.

O motivo da discórdia: contratação de professores para a área de relações étnico-raciais no curso da universidade, que tem no programa temas como diáspora negra, direitos humanos e racismo, e conexões da branquidade e dos regimes racistas: apartheid, nazismo, sionismo. O enfoque desagradou lideranças e parte da mídia conservadora, onde alguns blogueiros chegaram a escrever que na UFABC não há diferença entre o nacionalismo judaico (sionismo) e o nazismo (que exterminava judeus) e que, essencialmente, seriam expressões da branquidade.

A intervenção direta de Mendonça Filho e a sutil mudança no edital, cedendo ao lobby sionista, causa revolta entre os docentes. Segundo Igor Fuser, professor do curso de Relações Internacionais da universidade, é nada mais do que a adoção da mordaça não só aos professores como também ao currículo. “Há pressões para que a universidade deixe de ser espaço crítico, para a formação crítica, e se transforme em treinamento para cordeirinhos, mão de obra”, disse.

O episódio é preocupante, conforme Fuser. “Não é necessário que ocorra em todas as universidades. Basta acontecer em uma para que a intimidação e o medo se espalhem. É a estratégia usada na ditadura”, comparou.

A Associação dos Docentes da Universidade Federal do ABC (ADUFABC) divulgou nota (leia abaixo) em que se posiciona contrária à retificação que se caracteriza como perda da autonomia universitária.

Aberta há dez anos, a UFABC é a única federal brasileira com todo o corpo docente formado por doutores, a primeira entre as universidades brasileiras no ranking SCImago nos quesitos excelência em pesquisa, publicações de alta qualidade e impacto normalizado das suas publicações. Foi avaliada pelo índice geral de cursos do MEC como a melhor universidade no estado de São Paulo e primeira no ranking de cursos de graduação entre todas as universidades do país. O índice considera fatores como infraestrutura, corpo docente e nota dos formandos no Enade.

Seu caráter inclusivo de universidade para os filhos dos trabalhadores, que sempre usou as notas do Enem como sistema de seleção e ingresso e sua excelência no ensino e na pesquisa já foram temas de conversa dos estudantes com a presidenta afastada Dilma Rousseff. No entanto, ontem (18), quando ela visitou o campus São Bernardo para um debate, a conversa foi outra. “Nosso DCE foi o primeiro a se posicionar publicamente em todo o país contra o golpe, essa ponte para o retrocesso que não podemos admitir”, destacou o presidente da entidade, Junior Magalhães.

Para a professora do Instituto de Matemática da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Tatiana Roque, que preside a Associação dos Docentes da UFRJ, a onda de conservadorismo é reação aos avanços dos últimos 12 anos. “É uma volta para o armário. E a universidade tem de ser interlocutor na discussão de políticas de desenvolvimento, e não alvo do golpe e do ajuste fiscal.”

Para o presidente da Associação dos Docentes da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Rodrigo Medina Zagni, os cortes nos repasses à universidade, que já vinham acontecendo com o reajuste do governo de Dilma e que vão ser ampliados precarizam a qualidade do ensino e contribuem para a terceirização e redução da autonomia. “A falta de recursos abre caminho para parcerias com a iniciativa privada e enfraquece a autonomia universitária. Muitas universidades foram perdendo a autonomia a ponto de hoje sequer poderem erguer sua voz contra o golpe”, disse.

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